No nosso português de todos os dias não dá muito para perceber a relação entre língua, linguagem e comida. É difícil observar particularidades culturais quando está submerso dentro da própria cultura.

Uma coisa que eu percebi vindo para o Canadá são as diferentes relações que cada cultura tem com sua comida. E numa "viagem" e associação teórica eu acho que essa relação também é constituída com a língua (órgão) e linguagem.

Línguas de origem latina (pelo menos as mais faladas como: português, espanhol, italiano e francês) precisam em média de 25% a mais de palavras para se dizer a mesma coisa em inglês. Línguas latinas também utilizam mais expressões faciais (utilizamos mais os músculos do rosto para nos comunicarmos) do que a movimentação da nossa língua.

Já no inglês você precisa mexer muito a língua e quase nada do rosto. Ora com o "r", ora com o "th". Sua língua está sempre circulando pela boca. Essa movimentação implica numa menor expressão facial. Uma coisa que me fez perceber isso, foram as dicas para se portar em entrevistas. Sempre colocavam como dica número um: a exibição de sorriso ou expressão facial. Bem forçado até... Nunca no meu período no Brasil vi alguém se importando com isso. Na verdade é ao contrário. Pedem para que sejamos mais serenos, porque em nossa cultura expressar-se com o rosto faz parte da formação da linguagem. Aqui você precisa "lembrar" para se expressar pelo rosto. E é por isso que as vezes temos a sensação que estamos acima do tom. Porque nos comunicamos também por expressões corporais. Ora nos gestos, ora expressões faciais.

Em inglês, tradução para língua é "tongue" e linguagem é "language". Em português possuem o mesmo radical (língua/linguagem). Portanto, possuem uma relação mais direta. Não estão dissociadas.

Portando para nós há uma relação direta do órgão/linguagem. E daí, nossa cultura de se expressar com o corpo se transfere, se amplia. A comida é uma forma explícita de expressão nas culturas latinas. O órgão utilizado é o mesmo para ambas atividades, correto? Portanto há uma relação direta entre língua e comida.

 Britânicos, alemães, de uma forma geral alimentam-se para saciar a fome. Comem quando possuem fome e o que estiver pela frente. Não há um planejamento alimentar, nem uma teorização pelo preparo. É bem comum, apenas aquecer a comida, como um bife, ou jogar num molho qualquer. Não se preocupam com temperos e texturas.

Latinos por sua vez planejam cautelosamente suas refeições. E suas comidas nunca são rápidas no preparo ou no consumo. É um ritual. Isso é válido, ora para os italianos com suas longas sovas na massa, ora para os franceses com sua criatividade nas misturas, cremes e experimentações, ora para nós com nossos longos processos de cozimento do feijão ou preparo de um churrasco.

Já os japoneses, por sua vez possuem uma língua altamente segregada em sua estrutura. São pequenos blocos, seja nos alfabetos simplificados com seu formato por sílaba (não há fonemas em japonês), seja na própria construção das frases. A língua japonesa é como pequenos blocos que vão se juntando, ora na estrutura de sílaba, ora na estrutura de frase. E esse padrão se apresenta similar na apresentação da comida cuja a organização se dá segregada em pequenas porções. Cada item é separado, cada sushi, makimono, tepamakki, sashimi. Organizando-os você possui uma refeição. Até o molho, a pimenta (wasabi) e o gengibre são separados.

Eu não conheço tanto do Mandarim ou do Cantonês para fazer uma análise mais profunda. Contudo, enxergo a complexidade de um ideograma Chinês na triangularidade na apresentação de um prato agridoce. Mas esse são meus olhos ocidentais, que com sua ignorância não conseguem ir mais profundamente na análise.

E aí você vai me perguntar, e a cozinha canadense? Basicamente é batata e uma carne agridoce. Ou é isso, ou alguma das opções acima, acrescido ainda da comida indiana, tailandesa, libanesa, coreana... Um mundo de possibilidades. Mas isso também se explica pela cultura britânica e sua relação com a comida. Não há ritual alimentar, portanto todas as culinárias são possíveis. 

Cozinhar é expressar-se. Comer é compreender essa expressão. A comida é também nossa relação com o mundo, com a linguagem, com a troca. Embora própria e particular com os temperos e produtos locais, a comida é fruto da nossa linguagem. E experimentar um prato novo é mergulhar na experiência cultural e geográfica de quem a prepara. Delicioso, não?



A interessante experiência de imigrar é sobre desapego e pertencimento. Imigrar é deixar num outro lugar coisas materiais, pessoas, amigos e até família. É recomeçar quase com um olhar infantil aprendendo tudo do dia-a-dia. A língua, a comida, os costumes, como se comportar. É tudo novo e divertido, mas não é a mesma experiência da infância, pois o seu super-ego é de um adulto. Portanto, imigrar também é frustrar-se.

É frustrante, pois nem sempre você consegue se expressar corretamente, o outro nem sempre consegue te entender e coisas simples do dia-a-dia tornam-se um grande desafio.

Mulher, brasileira e aparentemente sozinha

Você se apresenta. Você diz o seu nome. Logo percebem o seu sotaque e perguntam de onde você é. Você diz: - Brasil. Dependendo de quem é as reações podem ser as mais variadas possíveis... O olhar alheio é sempre o que gosto de observar. As pessoas mudam seu olhar após a revelação da nacionalidade.

Para Canadenses natos:  após a revelação da minha nacionalidade, a receptividade é um misto de curiosidade com um certo ar de excentricidade. Me sinto quase como se fosse uma peça exótica numa galeria de arte. Um misto de Carmem Miranda com personagem do Almodóvar. Um olhar meio infantil, curioso tentando descobrir, ou interpretar o que está vendo. Há também sempre a menção sobre algum lutador de UFC no meio da conversa.

Imigrantes de países teocráticos: após a revelação da minha nacionalidade, a receptividade é... "puta. Brasileira? Tudo puta. Quanto custa o programa?" Dá para perceber o olhar lascivo e a mudança de comportamento da pessoa após revelar a sua origem. Na minha doce ingenuidade eu não estava preparada para lidar com assédio só pelo fato de revelar minha nacionalidade. Tive que aprender da pior forma.

Europeus de origem latina (italianos, espanhóis, portugueses, franceses): Legal! Samba, futebol e carnaval. O que você come? O que você bebe? Vamos fazer um churrasco? Meu amigo visitou o Brasil...

Chineses: ...[indiferença]...

Japoneses: Legal! Brasil! Legal! Hahahaha São Paulo! Legal! Hahahaha Futebol! Legal! Hahahahaha

Mexicanos: Hermanos!

Outros brasileiros: [atravessa a rua e finge que não viu]

Ingleses e alemães: Interessante... Futebol. Pelé. Neymar. [mais futebol, trabalho ou algum papo entediante sobre tempo]. Algum amigo visitou o Brasil.

Russos: o olhar revela uma desconfiança como se eu fosse uma ladra ou assaltante.

PS. Sei que é clichê em alguns aspectos. Sei que indivíduos são indivíduos e comportamentos culturais podem mudar. Essa foi a minha experiência com as nacionalidades descritas. Não necessariamente todos se comportam assim, né? :)

Mas o Canadá é essa Babel. É interessante, mas por outras vezes um tanto frustrante. As vezes me sinto perdida da tradução.