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O que realmente importa?

Eu acredito que a principal preocupação de quem está vivendo essa aventura de imigrar é o emprego. Tudo bem que você se preparou e veio com uma reserva de dinheiro que dê pra você e sua família viver 6 meses, ou até mais sem trabalhar, mas com certeza você não vai querer ver essa torneirinha despejando todos os seus  Reais (convertidos em dólares) aberta por muito tempo. O primeiro emprego vem com um monte de barreiras: os seus cinco anos de experiência que valem dois, a preferência pelos nativos, a validação do diploma se for necessária, a temida experiência canadense e claro, a proficiência no idioma.

Chegamos no assunto trabalho. 

Para mim, Montreal é bilingue. Se você pretende trabalhar com atendimento ao público vai precisar estar pelo menos intermediário em um dos dois e avançado no outro idioma. Em qualquer estabelecimento que você for, o atendente vai falar com você um Bonjour/Hi, e mesmo que o inglês dele seja capenga, ele vai entender o seu pedido. 

Se a sua área é Tecnologia, seu inglês precisa ser fluente. Se você sabe francês também, parabéns. Se você não sabe, tudo bem, desempregado você não vai ficar. Mas se você não é capaz de fazer uma entrevista em inglês, meu amigo, não quero te desanimar, mas a coisa vai ficar muito ruim pra você aqui nessa hora.

Mas e a validação do diploma?

Se sua área precisa fazer validação do diploma, você precisará entrar para a universidade. Se você quer estudar em inglês as opções são Concordia e McGill, se sua opção for em francês, UQAM, Université Laval e Université de Montreal. Aqui surgem dois problemas, talvez seja necessario fazer um teste de conhecimento no idioma e dependendo do curso que você for fazer a validação, exige-se uma nota mínima para ingressar no curso, por exemplo, na área de saúde, a nota mínima é bem alta (para outras não, pesquise melhor sobre isso).

Se você escolheu se dedicar ao francês e chegou aqui muito bem na fluência, basta fazer o teste e entrar na universidade, mas se for preciso fazer a francisação, você precisará se dedicar a isso, talvez 6 meses, talvez um ano, depende do nível que te classificarem.

Coloque na sua conta: o tempo de francisação, a época da prova para ingressar na universidade e o tempo para validar o curso.

Se você precisar estudar inglês vai ter que procurar um curso particular, porque esse o governo não dá de graça na província do Quebec nem ajuda de custo, mas é possivel encontrar cursos com preços bem acessíveis.

Casos reais

Sabe a conta ali em cima? É muito importante você estar ciente dela. O tempo da francisação, as tentativas para atingir a nota e ingressar na universidade e o tempo estudando na universidade podem lhe custar muitos meses. Considere tudo se você sabe que vai chegar aqui e precisar estudar mais, tanto o idioma quanto a validação do diploma.

Tenho conhecidos nas mais diferentes profissões (psicologia, farmácia, contabilidade, administrador, enfermagem, publicidade, programadores... etc, etc, etc) que estão há mais de um ano sem emprego, porque precisaram se dedicar ao estudo do inglês depois da francisação. Isso é sério, esteja preparado para isso, pense que isso existe, não venha como um ursinho feliz na sua nuvenzinha.

Eu conheço profissionais em diversas áreas que estão há mais de um ano se dedicando apenas ao estudo do idioma para poder ingressar na universidade e fazer a validação do diploma. Tem alunos na minha sala que estudam francês e inglês ao mesmo tempo!

Profissões na área de tecnologia precisam saber inglês. Na minha sala tem um Analista de Sistema que está em Montreal há 3 anos e não consegue emprego como analista porque não tem inglês fluente.

Mas nem todos os casos são assim, a área de tecnologia é muito previlegiada no que se refere a quantidade de ofertas de emprego e a validação de diploma. Um montão de programadores que eu conheço conseguiram o primeiro emprego logo no primeiro mês.

Isso não é para assustar gente, é para alertar. Muitas vezes nas palestras a gente sai de lá achando que para chegar no paraíso basta pegar um avião da Air Canada, mas não é tão simples assim.

Na minha sala tem gente com mestrado em profissões que estão super em alta por aqui, mas eles não conseguem validar o diploma porque precisam melhorar o idioma antes.

Eu poderia terminar esse post dizendo que é importante pra quem vem para Montreal saber os dois idiomas, mas eu acho que inglês é fundamental para quem quer um pouco mais desse mundo, morando em qualquer parte dele. Se você acha que só com francês você pode validar seu diploma, conseguir um emprego, fazer amigos e seguir com sua nova vida aqui, lembre-se que a maioria dos empregos exige francês e inglês e que se você quer crescer na sua profissão, qualquer chefe, gerente ou coordenador de equipe, fala inglês e francês.

Considerações finais

Quando eu criei o blog, eu queria justamente escrever sobre como era a vida aqui, depois do The End do processo, mesmo porque, sobre o processo já tem bastante informação na rede, e depois também, uma Colatinense solta em terras estrangeiras poderia render algumas boas histórias, e antes que eu perca o fio da meada, sigo meu propósito, contando as verdades das minhas experiências vividas, mesmo que essas não sejam assim tão coloridas e açúcaradas.

Uma das minha principais qualidades (sim, pode ser defeito, mas eu prefiro chamar de qualidade =P) é a sinceridade, digo o que penso e pronto (sem ofender ninguém, claro. Não vou dizer para aquela pessoa que ele está gorda, né mesmo?). Não vou pintar um arco-íris de energia, pra deixar o Canadá cheio de alegria. O que é feio vai ser dito, o que é problema também. E espero sinceramente que eu tenha ajudado alguém a entender que o passaporte carimbado é na verdade só o começo de um grande processo e que eu não tenha feito ninguém desistir dele também... rsrs

O que a gente vê nas palestras é propaganda, e as propagandas são feitas para atrair.

Montreal é bilingue, e ponto.
Estude, estude, estude e estude, quanto mais melhor (e isso ainda não será suficiente até chegar aqui), leia, ouça, treine e não desista!

E que ninguém me odeie depois disso, amém.
... continuação


Vive le Quebec libre

Esse espírito separatista dos quebecas me incomoda bastante e a implicância com a França também. Apesar de existir muita mudança a respeito disso, ainda é possível ver e sentir o separatismo. Eu procuro entender o que é típico no Quebec: a música, a comida, a dança... e não encontro. Tudo o que eu conheço sobre cultura diz respeito a língua (que é da França) a mesma com a qual eles implicam, seja pelo sotaque francês (da França) seja pelo ressentimento (os québécois se sentiram abandonados  pelos franceses na guerra contra os ingleses pela posse do Quebec, acabando assim os franceses colonizadores, colonizados) então, aquela minha questão, não faz sentindo o francês falado aqui passar a ser chamado de Français Québécois?

Eu penso, e é inevitável não fazer uma comparação, da relação do Brasil com Portugal, que mesmo com todo o histório de exploração e corrupção que existiu entre o período colonial, não existem ressentimentos entre os povos. Certo, tudo bem, o Canadá é um país jovem, devo considerar isso, talvez daqui 500 anos isso passe...

Outra coisa que me incomoda é o preconceito. Não é de todo mundo, que fique claro. Mas é mais do que eu esperava. Estive em 3 diferentes cidades canadenses anglófonas, as pessoas te tratam de uma maneira diferente. Do lado de cá da fronteira, se você não falar francês na rua com as pessoas, elas nunca vão te encarar como um possível turista. O quebeca é mau-humorado, fato.

Eu já ouvi uma história que no Quebec as pessoas trabalham menos, que estão preocupas com a qualidade de vida... bom, talvez isso seja verdade se a gente considerar que aqui em Montreal o comércio fecha as 5 da tarde e que você pode ser escurraçado pelo funcionário às 4h45 enquanto olha distraidamente uma prateleira de bugingangas, ou quando você resolve ir até o supermercado comprar um refrigerante e encontra todos fechados por causa de um feriado dominical. A única coisa que nunca fecha nesse lugar é a típica loja de conviniência quebeca, chamada Depanneur.

Parece piada, né? No Rio de Janeiro seria. O único lugar que eu conheço onde o comércio fecha tão cedo, é Colatina. Agora faz mais sentido pra você quando eu chamo Montreal de roça grande, não faz? Mas isso acontecerá uma vez só, depois da primeira você passa a consultar os horários de funcionamento (anotar e decorar, olhar no site e dar uma ligadinha antes só por via das dúvidas) de todos os estabelecimentos, lojas de rua, supermercados e shoppings, exceto das Depanneurs, claro, essas são mais fáceis, só fecham no dia do ano novo chinês.

Bom, consideranto tudo isso, realmente, as pessoas trabalham menos. Mas esse é o pensamento do lado de cá.

Do lado de lá da fronteira eu vi muita gente nas ruas, comércio aberto até tarde, lojas movimentas, pessoas alegres nas ruas, prontas pra te darem uma informação se te verem com cara de perdido, mesmo sem você pedir e mesmo que tenham que fazer mímicas pra você que não manda lá muito bem no inglês. Tem garçon que conta piada, motorista de ônibus que fala "sobe aí que te deixo lá" e gente que puxa assunto com você no ponto de ônibus... mas dizem do lado de lá que aqui as pessoas não trabalham muito...

Repito, nem todo mundo é mau-humorado, tem muito motorista de ônibus legal aqui também, são poucos, mas tem... rsss

Sinceramente, não me arrisco a fazer uma comparação entre canadenses anglófonos e francófonos como Bahianos e Paulistas, apesar de conhecer bem Montreal e achar realmente que se trabalha menos aqui, eu não conheço a Bahia.

Mas o preconceito existe, essa semana eu ouvi de uma amiga, que uma conterrânea dela, que esta fazendo Mestrado na Université de Montréal foi excluída de todos os grupos em um trabalho. Ninguém convidou ela, o professor teve que intervir, perguntando para toda a turma quem poderia aceitá-la no grupo. Ninguém se prontificou. Até onde eu sei, essa história terminou com ela chorando sozinha no banheiro. Eu espero sinceramente que ela não desista do curso, que mande ver no francês e tire a melhor nota da turma, mostrando pra todos esses quebecas quem são os Brasileiros!

E para quem fala o francês intermediário?

É um paradoxo. Se você não falar francês, eles te olham feio, se você falar mas não é tão bom assim, eles cortam para o inglês. Achou complicado? Viver no meio de tudo isso é mais ainda. Como fazer pra resolver essa situação? Para isso eu tenho somente uma palavra: insistência! Veja essas duas situações e entenda:

Ainda no Brasil, você escolhe estudar lá naquela escola que ensina o francês do jeitim que os quebecas gostam, você sonha com o Canadá, digo, Quebec (se vc escolher a província do Quebec, repita o mantra desde já: Você está no Quebec, não no Canadá!) você se veste de azul, decora o hino nacional, coloca a flôr-de-lis na lapela e vem. Chegando aqui, todo empolgado, tenta colocar o francês québécois em prática, abre o sorriso e solta a língua com o primeiro quebeca que surge a sua frente. O problema é que você está inseguro, nervoso, ansioso, empolgado, tudo ao mesmo tempo, e não deixa o seu suado francês sair assim... tão bom para os ouvidos do quebeca, passou batido o sotaque de pato Donald e esqueceu do "lô lô" no final das frases, o que vai acontecer?

Mas as coisas podem piorar: Você fez francês naquela escola carríssima e ficou com um sotaque franco-brasileiro, fala  fazendo biquinho e o "R" te deixa rouco no final de 2 horas de conversa. Isso também pode não agradar o ouvido dele, e então, o que vai acontecer???

Nas duas situações ele vai te responder em inglês. A não ser que você dê uma sorte danada e encontre alguém que só fale francês (o que é muito raro, pelo menos aqui em Montreal). Isso vai acontecer, e quando acontecer, o meu conselho é: insista! Peça desculpas e diga que não fala inglês, mesmo que o seu inglês seja até melhor do que o dele. Se não for assim, vai ser impossível você conseguir falar francês com alguém por aqui.

E é bem possível que isso ocorra muitas, muitas, muitas, muitas e muitas vezes. No começo, do lado de cá da fronteira, o seu francês nunca vai ser suficiente, do lado de lá, vai ser excelente! Se você está do lado de cá, não entregue os ponto, insista.

continua...
Publicar esse post será uma grande audásia, eu sei que vou desagradar alguém, mas acho que no final das contas, vale a pena levantar essa questão.

Tudo o que você vai ler a seguir, é baseado na minha experiência em Montreal, a cidade onde eu vivo e que consiste em uma população incrivelmente bilingue. Não incluo aqui as outras cidades da província do Quebec, onde eu imagino que deva ter menos bilingues.

Quando tudo começou

Quando o Quebec passou a ser uma alternativa de imigração, eu comecei a me preocupar com a importância do Francês. O quanto dele era necessário para a entrevista e, depois que eu chegasse aqui, o quanto dele era necessário para o dia-a-dia. Essa minha dúvida ninguém respondia, nem mesmo quando eu procurava os brasileiros que já estavam por aqui.

Antes de vir, eu queria saber qual era o peso do Francês na minha nova vida e qual o nível de Francês era necessário para sobreviver e como ficava o Inglês no meio disso tudo.

Nas palestras, nos sites do governo e até em muitos blogs, fala-se em manter a língua francesa viva, em como os québécoises vão ficar felizes e contente com o seu francês intermediário, em como o governo vai te ajudar com cursos, encaminhamento para emprego e até dinheiro quando você começar a francisação (em tempo integral).

Isso tudo é muito bonito, mas funciona mesmo? Funciona, mas não tão fácil como aparenta ser. Por exemplo, a diferença do francês que se fala na França para o francês falado no Quebec pode ser um dos problemas. Eu já falei sobre isso aqui em Pourquoi Le Français Québécois e recentemente descobri esse post aqui de 2009 de um imigrante brasileiro que fala mais sobre a "implicância" québécois com os franceses e ainda cita o blog Maudit Français que narra as "Aventures d'un immigré français au Québec".

A implicância existe, e para quem é imigrante, isso pode prejudicar muito o início da nova vida por aqui. É muito importante estar bem preparado para encontrar esse tipo de obstáculo no começo. Talvez nós brasileiros tiramos alguma vantagem dessa situação. Diferente dos chineses, definitivamente somos um país querido, geralmente o sotaque do brasileiro é agradável para os ouvidos e muitas vezes o ouvinte é outro imigrante como você (o que ajuda bastante).

No final das contas, eu acho que os quebecas deviam chamar sua língua de Français Québécois, como nosso português passou a ser identificado como Português Brasileiro.

Eu entendo (ou tento entender) que a relação que o povo quebequense tem com a língua francesa, com a França e com o resto do Canadá anglófono é complicada, resultado de anos de conflitos e pensamento separatistas.

Me lembro do dia em que fomos solicitar o reembolso do curso da Aliança Francesa, logo que chegamos. Marido se sentiu mais confortável falando inglês, mas a dona lá respondeu em francês, até que viu que não tinha jeito e falou (pelo menos tentou) em francês. Mas isso ocorreu porque a gente estava no escritório da francisation, em qualquer outro lugar, gastar o tão suado francês intermediário é sempre receber a resposta em inglês.

Entendendo um pouco mais sobre isso

Hoje o francês é a língua oficial de Montreal, 55.1% da população tem o francês como língua materna, seguido de 25% de inglês e 19% de outros idiomas (censo de 2006)Isso é resultado de mudanças que ocorreram na década de 1970, quando o Partido Québécois ganhou as eleições. Então o Partido Québécois aprovou a Carta do Quebec da Língua Francesa (também conhecida como Bill 101) cujo objetivo era (e ainda é) fazer do francês a língua normal e diária de trabalho, das escolas, da comunicação, do comércio e dos negócios. O francês assim, passava a ser a língua usada nas escolas públicas, ficando só as crianças cujos pais tinham frequentado escola em inglês no quebec autorizadas a estudarem em escolas que não fossem francófonas, todas as outras crianças eram obrigadas a frequentar escolas francesas, a razão era encorajar os imigrantes a se intergrarem na cultura quebequense. A Bill 101 também tornou ilegal para as empresas usarem sinais exteriores comerciais em qualquer língua diferente do francês, ao menos que houvesse uma tradução "maior" em francês.

Em 1976 a língua inglesa era dominante nas relações comerciais no Quebec, a criação da Bill 101 resultou na saída de muitas empresas e pessoas da cidade, deixando assim Montreal em uma grande crise econômica, que cresceu em um ritmo mais lento do que muitas outras grandes cidades canadenses. O clima melhorou economicamente depois de 1990.

O objetivo do partido era tornar o Quebec soberano, em 1980 fizeram um primeiro referendo onde cidadãos do Québec responderam se desejavam deixar o Canadá e se tornar um novo país. Essa votação terminou com 59.56% dos eleitores querendo permanecer no Canadá. Em um novo referendo realizado em 1995 o resultado foi muito mais estreito, querendo 49.42% dos quebecas a soberania contra 50.58% que não queriam.

continua...